As Vozes de Dentro

mvd 

Cada linha que meus olhos percorriam, cada palavra que minha mente captava me fascinavam de uma forma que nada jamais fizera.

 Assustei-me com o barulho da porta e minha atenção não conseguia mais se fixar na história, pois eu já sabia o que se seguiria e esses barulhos e lamentos me atormentavam todas as noites, principalmente quando eram em meu quarto.

 E, como eu sempre temia, a porta se abriu bruscamente, me forçando a desviar os olhos do livro e arregalá-los com a visão que tive.

 Ele entrou no cômodo e, com passos pesados, se aproximou enquanto eu tentava me afastar, e foi inútil, já que a lateral de minha cama era apoiada na parede.

 Sem nada falar, meu pai, se é que eu podia chamá-lo assim, ergueu sua mão. Me encolhi esperando a dor que viria, não seria a primeira vez e nem a última vez; eu sabia que minha mãe estava na sala, na mesma situação em que ele me deixaria, por ter tentado impedi-lo de chegar aqui.

– Peter, Peter…!

 Sua pesada mão se preparou para descer e, num gesto rápido…

– PETER!

Abro os olhos bruscamente e vejo Mary ao meu lado com um semblante preocupado; percebo que tudo não passou de um pesadelo, ou pior, uma lembrança.

– Peter, você está bem?

– Sim, pode voltar a dormir.

– Foi aquele pesadelo de novo?

Bastou um pequeno gesto positivo com a cabeça para que minha amada me puxasse para seus braços calorosos para voltarmos a dormir. Agora eu tinha certeza de que os pesadelos não voltariam naquela noite, pois eu a tinha comigo.

+++

Na manhã seguinte, acordo e Mary ainda está dormindo profundamente; me retiro da cama com todo o cuidado para não acordá-la e me dirijo à cozinha para fazer nosso café da manhã. Fico pensando em todo amor que ela dirige a mim e aquelas vozes voltam gritando “você não a merece” ou “ela merece coisa melhor do que você” e a pior delas, que vieram das duas pessoas que eu considerava deuses: “ninguém merece ficar perto ou até mesmo se casar com você”.

Balanço minha cabeça para afastar esses pensamentos, mas eles só vinham com mais intensidade, até que reparei que já estava tudo pronto e que minha namorada me olhava encostada no batente da porta com um sorriso.

E, como qualquer outro dia, este correu normalmente, tirando as vozes que me acompanham. Mary e eu tomamos café juntos, ela foi tomar banho primeiro e eu fui em seguida. Assim que saio do banheiro com uma toalha em volta da cintura, vejo-a vir em minha direção e, após um beijo, ela parte para o trabalho.

Toda minha confusão volta com tudo, tento reprimi-la, mas é quase impossível. Eu não aguento mais, tenho que achar um jeito para que se calem, então pego a chave do carro e parto para o primeiro bar que eu encontrasse.

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Escuto alguma coisa distante, algo parecido com o toque do meu celular. Estico a mão e tateio o balcão até achá-lo e confirmo que tocava. Tento ler o nome na identificação, mas minha visão está muito turva, atendo e coloco no ouvido.

– Meu amor, você está bem? Me ligaram do seu trabalho perguntando por que você não foi e eu não sabia o que tinha acontecido, fiquei tão preocupada.

– O-oi, tá tudo bem – Digo com a voz meio enrolada.

– Você está bêbado? Mas você não bebe, onde está?

– Então, eu bebo agora – solto uma risada – eu… eu ‘tô no bar perto de ca-casa.

– Peter, eu já estou indo. Por favor, não saia daí até eu chegar.

Meia hora depois, ela chega e no caminho para casa me fez um interrogatório que fiz questão de ignorar.

A partir daquele dia as idas ao bar viraram minha rotina e as voltas pra casa embriagado, mais ainda, até eu me tornar uma pessoa que nem eu reconhecia mais.  As brigas em minha casa eram quase toda hora, minha nova cama era o sofá, pois Mary não queria dividir a cama com um embriagado. Isso durou até o momento em que Mary começou a chorar e explodiu, tacando minhas coisas na minha cara e me mandando embora, dizendo que merecia coisa melhor do que o homem que eu tinha me tornado, que eu não era mais o mesmo e para eu não a procurar nunca mais.

Eu fui embora chorando, sem rumo, não sabia que deixá-la seria tão doloroso, mas eu sabia  que era para o bem dela e, finalmente, a mesma tinha percebido.

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